CONEXÕES ACADÊMICAS
Temas emergentes na visão dos Profissionais da Contabilidade
Conteúdo:
Data: 22/fevereiro/2024
Horário: 16h as 17h30
Local: Ao Vivo no Youtube
Palestrantes:
Ahmad Abu Islaim
Contador formado pela Universidade de São Paulo, com mais de 15 de anos de experiência em grupos multinacionais de grande porte de diversos segmentos, tais como empresas de auditoria externa (Big four), indústria e varejo (KPMG, Grupo Unigel, Grupo Carrefour, CVC e Klabin).
Ricardo Tresso Marcolino
Foi gerente de auditoria independente pela KPMG e possui experiências em empresas de grande porte como Gerente executivo da Controladoria. Também é membro de conselho fiscal. Possu9i a graduação em Administração e em Ciências Contábeis, ambos pela FECAP-Fundação Álvares Penteado.
Moderação: Acadêmico da APC Flávio Riberi
Antoninho Marmo Trevisan*
Nervoso, como todos no primeiro dia de trabalho, fui encaminhado à sala de aula da firma de auditoria independente. Era maio de 1970. Uma porção de definições sobre o papel do auditor foram apresentadas, a começar pela independência em relação ao seu cliente. A pergunta era inevitável: “Como assim, se é ele quem nos paga?”. Quanto à reputação, seu maior patrimônio, o profissional só a conquista se todos acreditarem que sua palavra e seus pareceres são confiáveis e isentos.
À medida que as aulas avançavam, fui aprendendo sobre habilidades técnicas e comportamentais, leis, regulamentos, normas e o Código de Ética da profissão. Tudo me encantava, como a aula sobre rapport, que me ensinou a respeitar as regras do ambiente onde se está vivendo, compreender o contexto antes de opinar e criar empatia. Tive quase um choque quando um dos sócios da firma, com forte sotaque inglês, abordou a relevância de nossa atividade: “A partir de hoje, vocês são responsáveis por auditar o tesouro dos reis da Inglaterra”. E continuou: o parecer de um auditor é fundamental para que uma empresa consiga negociar ações nas bolsas de valores e para que as contas públicas e privadas ganhem relevância. Confiança, Credo, Acreditação!
Também aprendi que o auditor tem de cumprir um número anual de horas-aulas para ser promovido e, mais do que isso, não perder o registro legal para atuar. Não conheço profissão com tamanha exigência. Ademais, como no Direito, o bacharel de Ciências Contábeis submete-se a exame de suficiência. Em ambas as carreiras, menos de 30% são aprovados.
Seria o profissional infalível, apesar de toda essa capacitação? Como descobrir rombos quando um grupo organizado de pessoas premedita o desvio de recursos e/ou fraudes. Sobre isso, um colega apresentou-me interessante caso ocorrido em 1894 com a Kingston Cotton Mills, vítima de fraude contábil. O processo corria na corte inglesa e envolvia a responsabilidade do auditor. O juiz, em sua sentença, entendeu que a auditoria requer cuidado e cautela, a depender das circunstâncias. E continuou: “Um auditor não é obrigado a ser um detetive ou a abordar seu trabalho com suspeita ou com a conclusão precipitada de que há algo errado. Ele é um cão de guarda e não um cão de caça. (...)”.
Mas, o ceticismo não seria um fator decisivo para o profissional passar pelo fogo do inferno sem ser queimado? Trata-se de quesito obrigatório da profissão. Junto com as externalidades que cercam o universo da entidade auditada, muitas vezes pode ser a chave para o auditor debruçar-se mais sobre determinadas situações. Eu, por exemplo, fixava-me nas persianas da empresa auditada. Se estivessem desarranjadas, tortas e empoeiradas, eu ia mais fundo na análise das contas, especialmente nas de estoque e custos de produção. Afinal, se não estão cuidando nem das persianas é porque as coisas não andam bem.
Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, numa formidável palestra para mais de cinco mil contabilistas em Belém do Pará, recomendou que cuidássemos mais dos custos das externalidades. Por exemplo: dentre uma usina hidrelétrica, termoelétrica ou eólica qual seria mais onerosa? Ao se verificar os impactos sociais e ambientais, nem sempre a de investimento mais baixo teria o menor custo. Ou seja, o ceticismo decorre de uma visão pessoal que envolve experiência, preparo técnico, olhar múltiplo, capacidade de concatenar variáveis e respeito às normas.
Entretanto, nada disso resiste ao planejamento e execução de golpes e ilicitudes por um grupo de pessoas em conluio com fornecedores e/ou agentes do sistema financeiro. Caçar fraudes, descobrir desvios e identificar os responsáveis é função do auditor forense, que utiliza práticas e tem prerrogativas que não estão ao alcance do auditor das demonstrações financeiras, como o acesso a e-mails, equipamentos e celulares corporativos.
Ao longo da minha carreira de mais de 50 anos, inclusive como professor, me perguntava e questionava meus colegas sobre a imensa dificuldade de explicar o papel do auditor independente. O fato é que quase ninguém sabe que as normas referentes à responsabilidade do profissional determinam que seu trabalho pode ficar prejudicado em situações não conduzidas com ética, principalmente quando a alta administração ou pessoas da entidade auditada lideram um processo fraudulento. Depois de o rombo aparecer, é fácil julgar o passado como se fosse óbvio, conforme se observa no filme “O Auditor na Corte”, no qual a promotoria massacra o profissional com questionamentos sobre questões absolutamente imprevisíveis.
Balanços financeiros adulterados e documentação contábil, bancária e de fornecedores falsificada, cuja preparação é de responsabilidade exclusiva da organização auditada, são os dados apresentados aos auditores independentes, inclusive com a intenção de ludibriá-lo. Mesmo assim, na grande maioria das vezes, o profissional detecta evidências de anomalias e evita o pior. Porém, há situações nas quais o material mostra-se tão correto e insuspeito, que somente a investigação forense e policial pode desvendar os desvios e fraudes e levar à identificação e sanção legal dos responsáveis.
*Antoninho Marmo Trevisan* é contador, medalha Mérito Contábil João Lyra, membro das Academias Brasileira e Paulista de Contabilidade e fundador da Trevisan Escola de Negócios.