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Brasil tem 14 mil obras inacabadas e informações sobre 11 mil contratos desapareceram, diz TCU

Os investimentos em obras públicas paradas no Brasil é assustador, desconsiderando que a Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF dispõe que só devem ser realizados novos projetos (Investimentos) após adequadamente atendidos os que estiverem em andamento, isso significa dizer que novas obras só poderão ser iniciadas se as “antigas” estiverem prontas ou em andamento.

O que vemos na maioria dos casos é que os gestores públicos, entenda-se, chefes do Executivo, principalmente, prefeitos, adoram iniciar obras e até inaugurá-las antecipadamente, mas muitas vezes essas obras, que requerem altos investimentos públicos, ficam paradas e nunca são terminadas.

Com isso, o País tem um gasto público enorme dispendido em “novos projetos” que, na maioria das vezes serão obra inacabada que ficarão para a eternidade, pois apesar de a LRF determinar que sejam retomadas e realizadas antes de iniciadas novas obras, isso, geralmente, não acontece.

Esse tema das obras inacabadas voltou à tona em março deste ano, depois que o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, admitiu que prefeituras indicadas por pastores evangélicos tinham prioridade na transferência de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação- FNDE. Com isso, a Comissão de Educação do Senado iniciou uma série de audiências públicas para avaliar se a interferência política no repasse do dinheiro compromete o andamento das obras que estão sendo realizadas pelo País.

 

12% dos contratos financiados estão inacabados

De 30 mil contratos financiados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação-FNDE desde 2007, mais de 3,6 mil estão inacabados ou paralisados — o que equivale a 12% do total. Considerando apenas as 2,5 mil obras classificadas como inacabadas, o órgão desembolsou pelo menos R$1,2 bilhão até 2019.

Desses projetos, 352 nem sequer chegaram a começar. Em razão isso, o diretor de Gestão Articulação e Projetos Educacionais do FNDE, Gabriel Vilar, participou de um debate com os senadores e alertou para a gravidade da situação.

Por sua vez, o Tribunal de Contas da União-TCU, em uma auditoria realizada em 2019, e analisada pelo Pleno do TCU, em 2021, apurou que existem 14 mil obras inacabadas, em todo o País, que somam R$ 144 bilhões; desse total, 51% estão em execução, 38% paralisadas, ou inacabadas, 7% atrasadas, 2% adiantadas e 2% em reformulação. Só para se ter uma ideia, o total de dinheiro necessário para cobrir as despesas com obras paradas é maior do que todo o Orçamento aprovado para o Estado do Rio de Janeiro em 2022 (R$ 92,9 bilhões).

 

Principais causas

As principais causas constatadas pelo TCU, ao conduzir a ocorrência de obras paralisadas e inacabadas com recursos federais foram: (i) deficiência técnica, 47% (II) Abandono pela empresa, 23% e (iii) deficiências no fluxo orçamentário/financeiro.

Ao realizar um aprofundamento da avaliação das causas, chegou-se à conclusão que o mau planejamento dos empreendimentos é o principal fator de paralisação, tanto para obras de baixo como de alto valor: projeto básico deficiente, falta de contrapartida e falta de capacidade técnica para execução do empreendimento.

Destacamos que, o levantamento dos contratos de obras paralisadas, por meio de auditorias operacionais se constitui em uma importante ferramenta para o controle externo realizado pelos Tribunais de Contas, porque induz o aprimoramento do planejamento das obras pelos jurisdicionados e favorece a alocação eficiente dos recursos públicos, de forma a evitar prejuízos ao erário e à sociedade.

A auditoria operacional realizada pelo TCU em 2019 demonstrou que não há uma resposta simples. O acórdão aprovado pela Corte de Contas, em maio de 2021, teve como relator o ministro Vital do Rego, para quem “os números são assustadores”. “Mais de um terço das obras que deveriam estar em andamento pelo País não tiveram avanço ou apresentaram baixíssima execução. Em termos de recursos, são ao menos R$ 10 bilhões já aplicados sem que tenha sido gerado benefício à população”, escreveu.

 

Resultado promissor em 2020

No ano de 2020, o TCU promoveu uma nova investigação para monitorar a situação das obras inacabadas de 2019. O resultado foi aparentemente promissor: de 27 mil contratos analisados, apenas sete mil estavam parados — metade do estoque de 14 mil obras encontradas dois anos antes.

No entanto, os auditores se depararam com um fato estarrecedor: informações sobre 11 mil contratos financiados pela União simplesmente desapareceram dos bancos de dados oficiais. O TCU chamou a atenção para “as significativas discrepâncias” e para “o risco” provocado pela supressão do conteúdo. Para a Corte de Contas, a comparação com o cenário de 2019 ficou comprometida.

Enquanto em 2018 foram levantados mais de 38 mil contratos, o atual diagnóstico totalizou apenas 27 mil, para o ministro do TCU, Vital do Rêgo, relator do processo. “A maior diferença refere-se ao banco de dados do Programa de Aceleração do Crescimento-PAC, que possui as obras com valores mais altos”.

A incompletude identificada nos bancos de dados está relacionada à aprovação do Decreto nº 10.012 de 2019, que descentralizou a gestão e governança dos empreendimentos do PAC para os diversos ministérios, e do Decreto 9.722/2019, que extinguiu o Sistema de Monitoramento do PAC (Sisa). Com isso, parte dos órgãos e entidades teria deixado de encaminhar ao Ministério da Economia as informações de suas carteiras de projetos.

 

Desinformação sobre obras paradas em 2018 e 2020

Além das mudanças observadas no Banco de Dados do PAC, também foram encontradas dificuldades para a consolidação dos dados relativos aos bancos de dados da Caixa Econômica Federal-CEF e do Ministério da Educação-MEC. Por isso, não é possível comparar os dados dos dois diagnósticos de obras paralisadas realizadas pelo TCU, em 2018 e em 2020. O que leva a uma total desinformação e falta de transparência sobre a quantidade de obras paradas.

No entanto, para o TCU, o sistema de acompanhamento do PAC utilizava “categorias bastante genéricas” para apurar as causas de paralisações. A auditoria decidiu então aplicar questionários entre os gestores responsáveis pela execução dos projetos e promover vistorias em 84 empreendimentos espalhados em todo o território nacional.

 

Causas das paralisações das obras             A partir de nova investigação, o ministro Vital do Rêgo identificou três principais causas para o problema. A primeira delas — classificada como uma “velha conhecida” do TCU — é a contratação de empreendimentos com base em projeto básico deficiente. Segundo o acórdão, há baixo interesse de governadores e prefeitos na realização dos estudos, que são geralmente elaborados em prazo curto e sem o amadurecimento necessário. “O efeito nocivo de se privilegiar o início da execução das obras em detrimento do planejamento é o anúncio de obras sem o devido embasamento técnico, resultando em atrasos e majoração dos custos inicialmente previstos”, concluiu o relator.

A segunda causa sugerida para a paralisação das obras é a falta de dinheiro de estados e municípios para o pagamento de contrapartidas. Parte do problema se deve à queda de arrecadação verificada a partir de 2014. Mas a maioria dos casos ocorre por “distorções no processo orçamentário”, como superestimativas infundadas de receitas e subestimativas de despesas obrigatórias.

A terceira causa identificada pelo TCU é a dificuldade dos entes subnacionais gerir os recursos recebidos. A má gestão não significa necessariamente corrupção ou desvio de dinheiro. Ela está muitas vezes associada à carência de pessoal especializado para conduzir contratos, demora na resolução de pendências e falhas na fiscalização do empreendimento.

Diante desse cenário, a pergunta que fica é: por que os gestores públicos não observam melhor a aplicação dos recursos, fazendo uso dos instrumentos de planejamento público (PPA-LDO-LOA) e dos Relatórios Contábeis, como fontes de dados para análise das obras em andamento e viabilidade de novos projetos. Dessa forma, haveria um real controle sobre os valores arrecadados e gastos e não privariam a sociedade de serviços essenciais, como, escolas, postos de saúde e hospitais?

 

Valmir Leôncio da Silva

Contador e Advogado, especialista em Contas Públicos, conselheiro do Conselho Federal de Contabilidade-CFC e membro da Academia Paulista de Contabilidade-APC.