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Avanços e retrocessos nas normas atinentes às declarações de voto no Carf

* Alexandre Evaristo Pinto

Na semana passada, as primeiras impressões sobre o novo Regimento Interno do Carf (Ricarf), instituído pela Portaria MF nº 1.634/2023, foram objeto da coluna Direto do Carf em artigo de autoria de Carlos Augusto Daniel Neto [1].

Nesta semana, trataremos de alguns pontos relevantes do novo regimento interno relacionados com as declarações de voto.

Considerando que as decisões do Carf são colegiadas, as declarações de voto têm um papel fundamental de destacar posicionamentos dos conselheiros que não necessariamente estão integralmente contidos no voto do relator ou do redator designado dos acórdãos.

No regimento interno anterior, as disposições sobre as declarações de voto eram escassas, havendo disposição específica apenas de que as declarações de voto deveriam ser formuladas no prazo de 15 dias do julgamento e que elas se considerariam não formuladas quando tal prazo fosse descumprido.

Com o novo Ricarf, surge a obrigatoriedade imposta pelo artigo 114, §8º, de apresentação de declaração de voto quando o conselheiro acompanhar voto apenas pelas conclusões, hipótese em que será obrigatório apresentar declaração de voto com indicação das razões de decidir ou das razões já apresentadas por outro conselheiro do colegiado.

Entendo que a instituição da obrigatoriedade de apresentação de declaração de voto em caso de acompanhamento de voto pelas conclusões representa um avanço no processo administrativo tributário, uma vez que restarão evidenciados os argumentos que levaram o conselheiro a não acompanhar integralmente o voto vencedor.

Tal evidenciação é relevante na medida em que as declarações de voto são importantes veículos para demonstrar a riqueza das discussões técnicas realizadas nas turmas de julgamento, não sendo incomum que partes dos votos proferidos no âmbito do Carf sejam expressamente mencionadas em decisões judiciais.

Os acórdãos do Carf possuem outro papel relevantíssimo, que é o de indicar para outros contribuintes como determinados dispositivos normativos vêm sendo interpretados, assim como quais elementos de prova específicos poderão confirmar ou refutar uma determinada situação fática. Dessa forma, esse papel orientador dos acórdãos será ainda mais completo com a inserção obrigatória de declarações de voto por parte dos conselheiros que acompanharam a votação pelas conclusões.

Ademais, para fins de análise de admissibilidade de um recurso especial pelas Câmaras Superiores de Recursos Fiscais do Carf, as declarações de voto podem indicar com maior clareza uma divergência jurisprudencial diante de uma similitude fática, trazendo alguns dos pontos que foram efetivamente discutidos pela turma e que muitas vezes ficavam escondidos nas votações pelas conclusões sem a apresentação de declarações de voto.

Desse modo, há um grande avanço qualitativo nas decisões do Carf a partir do momento em que se há um aumento da quantidade das declarações de voto. Todavia, tendo em vista que haverá um incremento nas horas gastas pelo conselheiro que relatar uma declaração de voto, é possível constatar um retrocesso em não ser instituída uma disposição normativa conferindo horas de julgamento para quem realiza declarações de votos. Isso demonstra que haverá um aumento de ônus, sem que haja sequer um bônus relacionado com a inserção das horas de trabalho que foram despendidas com a realização da declaração.

Porém, o retrocesso (ou oportunidade perdida) não acaba por aí. O artigo 114, §7º, do Ricarf mantém a disposição normativa de que as declarações de voto deverão ser apresentadas no prazo de 15 dias do julgamento e que as declarações não formalizadas no referido prazo serão consideradas não formuladas.

Ocorre que o artigo 85, V, do Ricarf diminuiu de 30 para 15 dias o prazo para que os conselheiros realizem a formalização dos acórdãos sob sua relatoria. Vale notar que os 15 dias são contados da movimentação dos autos para a atividade de formalização de votos, o que se dá na data de publicação da ata de julgamento.

Ao se analisar de forma conjunta a diminuição do prazo para formalização do voto com o prazo para apresentação de declaração de voto, nota-se que há uma sobreposição de prazos que pode fazer com que o prazo para que o relator ou o redator designado tenham menos do que efetivamente 15 dias para a formalização do voto.

Isso pode acontecer na situação em que o conselheiro apresenta a sua declaração de voto ao relator em data próxima do vencimento do prazo de 15 dias da sessão de julgamento. Nessa situação, o relator ou redator designado não possui condições de formalizar o voto até que receba a declaração de voto, de forma que a contagem do prazo para formalização do voto somente poderia começar a ser contado a partir do recebimento da declaração de voto.

Até tal recebimento, o relator ou redator designado não possui todos os elementos necessários para que seja feita a formalização do voto, ainda que o prazo de 15 dias já esteja sendo contado desde a publicação da ata da sessão de julgamento.

Dessa forma, em minha opinião, estamos aqui diante de um retrocesso com a edição de um dispositivo normativo de prazo que pode ser incompatível com a própria sistemática dos atos administrativos praticados pelos conselheiros após a sessão de julgamento.

Tal problema poderia ser facilmente previsto e evitado com um melhor diálogo prévio com a sociedade como um todo para edição do Ricarf. Cumpre destacar que há diferentes instituições que estariam dispostas a auxiliar na estruturação de um processo administrativo tributário mais eficiente, dentre as quais a Aconcarf (enquanto associação que reúne grande parte dos conselheiros indicados pelos contribuintes e que é formada por quem lida diariamente com a operacionalização do processo administrativo), as comissões de Direito Tributário das diferentes seccionais da OAB e as diferentes instituições que são referência no ensino, pesquisa e extensão do Direito Tributário (IBDT, Ibet, Abradt, IGA-Idepe, ABDF, IET, ABDT, Apet, Abat, dentre tantas outras).

Em tempos em que os avanços tecnológicos permitem sessões virtuais, audiências públicas, formulários virtuais, recebimento de sugestões por e-mail, dentre tantas outras possibilidades, não há como ver o quão anacrônica foi a edição do novo Ricarf. A título de comparação, vale salientar o procedimento público e transparente realizado no âmbito da comissão de juristas instalada pelo Senado em 2022, que elaborou anteprojetos de proposições legislativas que visam dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional.

 

Qualquer indivíduo ou entidade poderia contribuir enviando sugestões de proposições normativas, sendo que a Aconcarf foi uma das diversas instituições que apresentou um relatório direcionado à comissão de juristas [2], propondo inclusive um projeto de lei com o estatuto jurídico do conselheiro do Carf indicado pelos contribuintes [3].

Mais uma vez, há um aumento das atividades a serem desenvolvidas pelos conselheiros com diminuição dos prazos para realização de tais atividades, sem que haja o estabelecimento de alguns direitos mínimos aos conselheiros indicados pelos contribuintes, tais como a licença maternidade remunerada, férias, 13º salário, assim como a remuneração segue defasada frente aos índices de inflação dos últimos oito anos [4] e segue abissal a diferença entre a remuneração dos conselheiros indicados pelos contribuintes e aqueles indicados pela Fazenda Nacional.

Em suma, não restam dúvidas de que as normas relativas ao Carf precisam ser constantemente atualizadas e que a edição de um Ricarf pode ser uma oportunidade para uma melhoria institucional do órgão e para garantir um processo administrativo tributário mais eficiente e transparente. No entanto, ouvir todos os interessados e participantes do Carf seria muito mais republicano e democrático, valores que são fundamentos do nosso Estado de Direito.

* Alexandre Evaristo Pinto é doutorado em Controladoria e Contabilidade pela USP. Atua como coordenador do MBA de IFRS; e professor no Mestrado Profissional em Controladoria e Finanças na Fipecafi; é conselheiro Julgador - representante dos Contribuintes no CARF-S desde 2016; e juiz suplente - representante dos Contribuintes no TIT-SP; é conselheiro Julgador Titular do Conselho Municipal de Tributos; professor de Tributação e Contabilidade no Mercado Financeiro na FIA; e professor de Tributação no Setor Empresarial no Insper.