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Acadêmico Alexandre Evaristo esclarece a Dedução de encargos com instrumentos híbridos de capital e dívida das bases de PIS/Cofins em artigo para o Conjur

* Por Alexandre Evaristo Pinto

Nesta semana trataremos dos precedentes do Carf acerca da dedução dos encargos com emissão e remuneração de instrumentos híbridos de capital e dívida das bases de cálculo das contribuições PIS e Cofins.

No que tange às instituições financeiras, o artigo 17 da Lei nº 4.595/64 as caracteriza como as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros [1].

Ao comentar a conceituação de instituição financeira dada pelo artigo 17 da Lei nº 4.595/64, Iran Siqueira Lima e Andrea Fernandes Andrezo pontuam que o objetivo principal das instituições financeiras é a intermediação financeira entre poupadores e tomadores de recursos financeiros [2], sendo que na ausência de tal objetivo, ainda que, genericamente seja possível enquadrar uma dada atividade no conceito amplo do mencionado artigo 17, a pessoa jurídica que a realiza não deve ser considerada instituição financeira para qualquer fim.

 

Spacca

Considerando as características específicas das operações realizadas pelas instituições financeiras, o artigo 3º, §6º, I, da Lei nº 9.718/98 [3] trouxe disposição normativa possibilitando que elas tenham algumas deduções adicionais da receita bruta para fins de cálculo das contribuições PIS e Cofins, dentre as quais as deduções de: 1) despesas incorridas nas operações de intermediação financeira; 2) despesas de obrigações por empréstimos, para repasse, de recursos de instituições de direito privado; 3) deságio na colocação de títulos; 4) perdas com títulos de renda fixa e variável, exceto com ações; e 5) perdas com ativos financeiros e mercadorias, em operações de hedge.

 

Dessa forma, por mais que a entidade tenha auferido um determinado montante bruto com as operações de intermediação financeira, não será este montante a base de cálculo do PIS e da COFINS, uma vez que a lei autoriza dentre outras a dedução das despesas incorridas nas operações de intermediação financeira.

 

Em 2008, foi publicado o Pronunciamento Contábil nº 08 “Custos de Transação e Prêmios na Emissão de Títulos e Valores Mobiliários” do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC 08), que estabelece dentre outras disposições que: 1) “os custos de transação incorridos na captação de recursos por intermédio da emissão de títulos patrimoniais devem ser contabilizados, de forma destacada, em conta redutora de patrimônio líquido, deduzidos os eventuais efeitos fiscais”; e 2) “os custos de transação incorridos na captação de recursos por meio da contratação de instrumento de dívida (empréstimos, financiamentos ou títulos de dívida tais como debêntures, notas comerciais ou outros valores mobiliários) devem ser contabilizados como redução do valor justo inicialmente reconhecido do instrumento financeiro emitido, para evidenciação do valor líquido recebido”.

 

Como decorrência de tal norma contábil, há custos de transação relacionados com a obtenção de recursos que não são necessariamente registrados contabilmente no resultado do exercício.

 

Diante de tal cenário, com a edição da Lei nº 12.973/14, foram acrescentados os artigos 38-A e 38-B ao Decreto-lei nº 1.598/77 [4], estabelecendo que o custo de transações referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada registrados no patrimônio líquido poderão ser excluídos das bases do IRPJ e CSLL. Ademais, no caso específico das instituições financeiras, a remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, ainda que contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada poderão ser excluídos ou deduzidos como despesas de operações de intermediação financeira para fins de determinação da base de cálculo do PIS e da Cofins.

A partir de tal contexto normativo contábil e tributário, vale notar que em 2007 foi publicada a Medida Provisória nº 347/07, convertida na Lei nº 11.485/07, e que autorizava a União a conceder crédito à Caixa Econômica Federal em condições financeiras e contratuais que permitam o enquadramento da operação como instrumento híbrido de capital e dívida, uma vez que tais créditos configurariam uma fonte de recursos adicional para permitir o financiamento de ações de investimento na área de saneamento básico, por meio do aumento do patrimônio de referência e da capacidade operacional da Caixa.

No âmbito infralegal, os instrumentos híbridos de capital e dívida foram regulados pela Resolução Bacen nº 3.444/08 e tem como uma de suas principais características o caráter de perpetuidade, não podendo tais instrumentos possuir prazo de vencimento;

Em 2012 foi publicada a Medida Provisória n. 600/12, convertida na Lei nº 12.833/13, e que autorizava a União a conceder um crédito adicional à Caixa Econômica Federal na forma de instrumento híbrido de capital e dívida, visto que tais créditos permitiriam o financiamento de materiais de construção e de bens de consumo duráveis para pessoas físicas, assim como o Programa Minha Casa e Minha Vida e programas de infraestrutura.

Para a emissão de instrumentos híbridos de capital e dívida, a Caixa incorreu em alguns custos de transação que foram diminuídos da base de cálculo do PIS e da Cofins com base em entendimento de que eles se enquadrariam como despesas de intermediação financeira, nos termos do artigo 3º, §6º, I, da Lei nº 9.718/98.

Por fim, vale destacar que, em sessão de 31/03/2021, o Tribunal de Contas da União decidiu, por meio do Acórdão nº 56/2021-TCU-Plenário, que a concessão de tais créditos pela União sem previsão em lei orçamentária é irregular, estando em desconformidade com a Lei nº 4.320/64 e com a Lei de Responsabilidade Fiscal, criando um “orçamento paralelo” nas palavras do relator do processo, o ministro Aroldo Cedraz, sendo que o Tesouro Nacional ficou proibido de realizar tal tipo de operação com instituições financeiras federais (à exceção do Banco Central e de outras situações expressamente previstas em lei), assim como foi exigido que fosse estabelecido um cronograma de devolução à União dos valores recebidos em decorrência da emissão direta de títulos da dívida pública federal.

Feitas tais considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf acerca do assunto.

 

Nos Acórdãos 3301-011.246, 3301-011.247, 3301-011.248, 3301-011.249, 3301-011.250, 3301-011.251, 3301-011.252, 3301-011.253, 3301-011.254 e 3301-011.255 (todos de 26/10/21), a turma negou provimento ao Recurso Voluntário, por maioria de votos, mantendo o entendimento constante no auto de infração de que os custos de transação decorrentes da emissão de instrumento híbrido de capital e dívida não poderiam ser diminuídos da base de cálculo do PIS e da Cofins e com isso impossibilitando a formação de um crédito tributário passível de compensação.

A contribuinte defendeu a consistência de seu direito creditório, uma vez que os instrumentos híbridos foram devidamente constituídos e registrados contabilmente, sendo que a possibilidade de dedução das despesas com intermediação financeira já estaria prevista na Lei nº 9.718/98 e foi ainda explicitada no Decreto-Lei nº 1.598/77, a partir das alterações da Lei n. 12.973/2014.

Todavia, a conselheira relatora [5] confirmou o entendimento da decisão da DRJ no sentido de que “não é qualquer dispêndio que pode ser deduzido da base de cálculo do PIS/Pasep e Cofins como despesa de operações de intermediação financeira”, sendo que não haveria previsão para enquadramento dos encargos com instrumentos híbridos como despesas com intermediação financeira para fins de PIS e Cofins.

Ademais, constou o entendimento no voto da relatora de que o enquadramento de tais encargos como despesas de intermediação financeira seria ampliativo e iria em sentido contrário ao artigo 111 do Código Tributário Nacional, que pressupõe uma interpretação literal e restritiva das isenções, sendo que a possibilidade de dedução das bases de PIS e Cofins da remuneração e dos encargos dos instrumentos híbridos somente passaria a ser possível a partir da Lei nº 12.973/14.

Em sentido oposto, nos Acórdãos 3301-012.152 e 3301-012.157 (ambos de 23/11/22), a mesma turma, mas com composição diferente da que julgou os acórdãos anteriores, decidiu dar provimento ao Recurso Voluntário, por maioria de votos, permitindo que os custos com os instrumentos híbridos de capital e dívida fossem deduzidos das bases de cálculo do PIS e da Cofins.

A contribuinte argumentou que a dedução dos encargos com os instrumentos híbridos não foi uma inovação legislativa da Lei nº 12.973/14, dado que a permissão para dedução de despesas de intermediação financeira da base das contribuições sociais se encontrava expressa na Lei nº 9.718/98.

No voto vencido [6], foi repisada a argumentação constante nos Acórdãos anteriormente mencionados e votados em sessão de 26/10/21.

Por sua vez, no voto da redatora designada [7] constou que o instrumento híbrido de capital e dívida nada mais é que uma operação de empréstimo para o aumento de capital próprio, oriundo de contrato de mútuo firmado entre a União Federal e as instituições financeiras públicas, com a finalidade de financiar e cooperar com políticas públicas, conferindo mais liquidez aos bancos.

 

Assim, com o objetivo de dar suporte a investimentos em diversas áreas como saneamento básico, habitação e infraestrutura, a contribuinte celebrou tais instrumentos com a União Federal entre 2007 e 2013.

A redatora designada entendeu que a possibilidade de exclusão/dedução de dispêndios com intermediação financeira da base de cálculo do PIS e da Cofins já existia desde 1998, de forma que era possível desde então a dedução dos encargos com instrumentos híbridos.

Nessa linha, a inclusão do artigo 38-B no Decreto-lei nº 1.598/77 pela Lei n. 12.973/14 teve o escopo de tão somente atualizar os termos da legislação tributária às normas contábeis internacionais.

Diante do exposto, nota-se que se trata de matéria ainda controversa no âmbito do Carf, uma vez que em pouco mais de um ano os resultados do julgamento de uma mesma turma foram opostos, sendo que a particularidade de tais acórdãos terem sido emitidos pela mesma turma faz com que eles não sirvam de paradigma para que tal questão seja analisada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] Lei nº 4.595/64: “Artigo 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual”.

[2] LIMA, Iran Siqueira, ANDREZO, Andrea Fernandes. Mercado Financeiro: Aspectos Conceituais e Históricos. 3ª ed. São Paulo, Atlas, 2007. p. 47.

[3] Lei nº 9.718/98: “Artigo 3º (…) §6º Na determinação da base de cálculo das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins, as pessoas jurídicas referidas no §1º do artigo 22 da Lei nº 8.212, de 1991, além das exclusões e deduções mencionadas no § 5o, poderão excluir ou deduzir:

I – no caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil e cooperativas de crédito:

a) despesas incorridas nas operações de intermediação financeira;

b) despesas de obrigações por empréstimos, para repasse, de recursos de instituições de direito privado;

c) deságio na colocação de títulos;

d) perdas com títulos de renda fixa e variável, exceto com ações;

 

e) perdas com ativos financeiros e mercadorias, em operações de hedge;

II – no caso de empresas de seguros privados, o valor referente às indenizações correspondentes aos sinistros ocorridos, efetivamente pago, deduzido das importâncias recebidas a título de cosseguro e resseguro, salvados e outros ressarcimentos.

III – no caso de entidades de previdência privada, abertas e fechadas, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de benefícios de aposentadoria, pensão, pecúlio e de resgates;

IV – no caso de empresas de capitalização, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de resgate de títulos”.

[4] Decreto-lei nº 1.598/77: “Artigo 38-A. Os custos associados às transações destinadas à obtenção de recursos próprios, mediante a distribuição primária de ações ou bônus de subscrição contabilizados no patrimônio líquido, poderão ser excluídos, na determinação do lucro real, quando incorridos”.

Artigo 38-B. A remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, ainda que contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, poderão ser excluídos na determinação do lucro real e da base de cálculo de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido quando incorridos.

§1º No caso das entidades de que trata o §1º do artigo 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a remuneração e os encargos mencionados no caput poderão, para fins de determinação da base de cálculo das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins, ser excluídos ou deduzidos como despesas de operações de intermediação financeira.

§2º O disposto neste artigo não se aplica aos instrumentos previstos no artigo 15 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

§3º Na hipótese de estorno por qualquer razão, em contrapartida de conta de patrimônio líquido, os valores mencionados no caput e anteriormente deduzidos deverão ser adicionados nas respectivas bases de cálculo”.

[5] Conselheira Liziane Angelotti Meira.

[6] Conselheira Semíramis de Oliveira Duro.

[7] Conselheira Sabrina Coutinho Barbosa.

 

* Alexandre Evaristo Pinto

Fonte: Conjur